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Homenagem ao Major Piloto-Aviador António Lobato

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Cumprindo uma das suas missões estatutárias, a Liga dos Combatentes (LC) homenageou o Major Piloto-Aviador António Lobato (1938-2024), o militar português que sofreu o mais longo cativeiro da história de Portugal em plena Guerra do Ultramar, após ser capturado pelo PAIGC em 22 de maio de 1963 e levado para a Guiné-Conacri.
No dia 28 de fevereiro, no Salão Nobre da LC, em Lisboa, decorreu a sessão de lançamento da 6.ª edição do livro «Liberdade ou Evasão – O mais longo cativeiro da Guerra» da autoria de António Lobato e evocou-se o 15.º aniversário do Programa «Fim do Império, Missões de Paz e Humanitárias» (2009-2024), um projeto de preservação da memória dos Combatentes composto por uma coleção literária com 53 livros já editados e mais de 270 tertúlias realizadas.
Esta sessão contou com a especial presença da família de António Lobato, nomeadamente a sua esposa Maria dos Anjos Lobato e do filho Marco Lobato. Para a LC é um enorme orgulho que a família tenha acedido ao convite endereçado.
Salienta-se que se associaram a esta homenagem mais de 80 Sócios, Combatentes, público em geral e diversas entidades. Destas, dá-se nota da presença de: General Taveira Martins, ex-Chefe do Estado-Maior da Força Aérea; Tenente-general Rafael Martins, Diretor da Direção Histórico-Cultural da Força Aérea, e o seu antecessor Tenente-general Mimoso de Carvalho; Major-general Vieira Borges, Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar e parceiro do Programa «Fim do Império»; Dr. Ribeiro e Castro, Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal; Tenente-coronel Filipe Cordeiro, da Casa Militar da Presidência da República; Capitão-de-fragata Jorge Ângelo, do Ministério da Defesa Nacional; Major Fernandes Carvalho, da Direção de História e Cultura Militar do Exército; a Associação Nacional dos Prisioneiros de Guerra; e, membros do Conselho Supremo, Conselho Fiscal e da Direção Central da LC.
O programa da homenagem teve três momentos. Primeiro, a sessão de apresentação do livro. Em segundo, a projeção de um pequeno filme com um testemunho direto de António Lobato. E, por último, o sentido e oficial reconhecimento da LC a António Lobato e à sua esposa.
A sessão foi presidida pelo Professor Doutor Luís Aires Botelho Moniz de Sousa, Presidente do Conselho Supremo da LC, acompanhado pelo Tenente-general Joaquim Chito Rodrigues, Presidente da Direção Central da LC, Eng. Carlos Duarte, Coordenador do Programa «Fim do Império», e Tenente-coronel Piloto-Aviador Brandão Ferreira, que esteve encarregue da apresentação do livro.
Nas alocuções proferidas, Carlos Duarte justificou a necessidade da reedição do livro de António Lobato como uma narrativa impressionante de quem conseguiu “resistir de uma forma ativa aos sete anos e meio de cárcere, na Guiné-Conacri, sem nunca esquecer os seus deveres como militar!”. Relembrou os mais de 2700 dias de prisão, má alimentação, doenças e tentativas de fuga sem sucesso até ao dia da sua libertação, e de outros 26 prisioneiros, em 22 de novembro de 1970, resultado da Operação Mar Verde, e como Lobato cumpriu a promessa feita à sua esposa: “Se algum dia desaparecer não te preocupes, voltarei sempre”. A alocução terminou com a felicitação pelo 15.º aniversário do Programa «Fim do Império» e a divulgação da respetiva monografia evocativa recentemente editada e que regista integralmente as atividades desenvolvidas.
A intervenção do Tenente-general Chito Rodrigues pautou-se pela demonstração de um verdadeiro sentimento de orgulho por a LC ter a oportunidade de contribuir decisivamente para a preservação da história e memória de uma das maiores odisseias da Guerra do Ultramar que, felizmente, não teve um final trágico e permitiu a libertação de António Lobato. Referiu ainda que Portugal tem o dever de dignificar aqueles que deram sempre o seu melhor em prol da Pátria e que o testemunho duro e lúcido de Lobato deve ser considerado como um elemento basilar na história nacional.
O Tenente-coronel Brandão Ferreira, convidado especialmente para apresentar o livro, proferiu uma destacada alocução sobre António Lobato e o livro. Partilhamos alguns trechos: “Para se ser herói um dia, não custa muito. Pode até resultar de um ato fortuito, um impulso generoso, um fugaz de bravura, um rasgo temerário. Agora ser herói por sete anos e meio, numa espécie de morte lenta, é já muita coisa e demonstra uma fibra diferente; uma resistência e determinação invulgar.
(…) Lobato foi, por isso, herói todos os dias. E, algo espantoso, nunca, mais tarde, se envaideceu do seu “eu” e foi ultrapassando todo e qualquer trauma por si experienciado!  E, foi, da experiência como militar da Força Aérea, sobretudo no período que passou na sua comissão de serviço na Guiné – prevista para durar dois anos e que se estendeu quase por dez – que trata o livro que ora se apresenta aos seus futuros leitores. E o que mais fere a nossa vista, durante a leitura da narrativa da sua experiência, é a luta do seu ser, para sobreviver; a descoberta dos recônditos da sua alma; o domínio das emoções, adaptando-as à racionalidade do momento; o fortalecimento dos princípios do seu carácter a fim de enfrentar as opções que se lhe foram figurando. Lobato venceu-se a si próprio em situações limite.
(…) Ligava-me ao António Lobato, uma longa amizade que nasceu da camaradagem militar, quando nos cruzámos pela primeira vez na Base Aérea 1, em Sintra, no já longínquo ano de 1978. (…) Foi promovido por distinção a Tenente (era Segundo Sargento quando foi capturado na Guiné), e admitido no quadro de pilotos aviadores, depois de uma receção algo conturbada, aquando do seu regresso à Metrópole – dando seguimento ao aforismo de Séneca de “Se serviste a Pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis e ela o que costuma”. O seu espírito livre e empreendedor aliado a uma grande ânsia de viver – a que não é, certamente, estranho o longo período de cativeiro a que foi submetido e também uma certa exigência que mantinha consigo e com os outros – levou-o a abandonar o serviço ativo no posto de major.
(…) Após a sua libertação, em 22 de novembro de 1970, numa notável operação militar (que, aliás, nunca existiu), comandada pelo mítico Comandante Alpoim Calvão, sete anos e meio depois de ter sido capturado, em 22 de maio de 1963, refez a vida com a jovem mulher que tinha deixado como viúva de um homem vivo, pouco tempo depois de terem casado. A Maria dos Anjos manteve-se à altura do marido, pois nunca desistiu, abandonou ou desesperou. Para ela vai, também, a minha homenagem. (…) Ainda existirão histórias com final feliz? Parece que sim.
Mas esta história podia ter acabado muito mal em várias ocasiões. Lobato escreveu um livro (ele escrevia muito bem), onde conta o sucedido em África, numa narrativa em discurso direto, despida de artificialismos ou figuras de estilo. É nua e crua. Nela tudo é simples e factual, não há ponta de afetação nem tentativa de exaltação ou complexo de vítima. É um retrato autêntico com alguma emoção racional e racionalidade emotiva, à mistura. (…) De toda a sua epopeia creio haver a realçar três aspetos: a sua vontade de sobreviver; a sua “obsessão” em escapar ao cativeiro; e, a determinação em honrar a sua condição de militar e português.
A sua vontade em sobreviver revela-se em tudo o que fez no cuidado que colocou na salvaguarda da sua condição física e, sobretudo, psíquica; ele conta-nos o seu consciente e subconsciente, tratando-se de uma vivência humana única e riquíssima, que muito pode aproveitar a outros.
O desejo de fugir é, outrossim, parte desta luta pela sobrevivência, para além de ser um dever militar, de qualquer prisioneiro de guerra. Tentou a fuga três vezes e três vezes foi capturado, sendo que, da última vez, desfrutou de quase uma semana de liberdade antes do azar da recaptura. Mais uma vez se provou que não há prisões completamente invioláveis, face a um indivíduo determinado.
Por último, o Sargento Lobato não virou a cara, não se acobardou, não negociou, não tergiversou, não cedeu a ameaças, chantagens ou falsas amizades; não traiu, mesmo em face de promessas ou perigos. Por tudo isto ele merece o título de herói. Que grande exemplo!”
Na sua intervenção, o Tenente-coronel Brandão Ferreira destacou ainda a falta de reconhecimento da Nação, referindo que “Desde sempre o Major António Lobato foi um cidadão anónimo que muito poucos conhecem e nem as novas gerações de militares ouviram falar, quando o seu exemplo devia ser lido em todas as escolas do nosso País”.
A finalizar a alocução, o Tenente-coronel Brandão Ferreira deixou um conjunto de propostas para um mais justo e efetivo reconhecimento de António Lobato, tais como: a colocação de uma lápide de homenagem na sua aldeia de naturalidade, em Sante (Melgaço); a inclusão da saga de Lobato nas disciplinas de História de Portugal; a produção de um filme; uma homenagem com um busto ou o nome de uma rua em Melgaço; a possível trasladação dos seus restos mortais para um Talhão dos Combatentes; no âmbito da Força Aérea, dar-lhe um lugar de destaque no Museu do Ar, fazê-lo Patrono de um Curso da Academia, atribuir o seu nome ao Centro de Treino e Sobrevivência da Força Aérea; condecorá-lo, a título póstumo, com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, no Dia de Portugal (10 de junho), pois “o seu valor, lealdade e mérito, está fora de causa e, podendo ser igualado, dificilmente pode ser ultrapassado”.
O segundo momento da homenagem consistiu na projeção de um pequeno filme que compila partes do testemunho direto de António Lobato sobre o seu resgate na Operação Mar Verde em 1970, gravado para a RTP 1 em 1996 no âmbito do programa «Enviado Especial» e que pode ser consultado na íntegra nos Arquivos da RTP.
O último ato do dia revestiu-se de especial significado. Contribuindo decisivamente para o justo reconhecimento do homenageado, a LC atribuiu a mais alta condecoração da instituição – a Medalha de Honra ao Mérito (grau ouro), a António Lobato, a título póstumo, e à sua esposa Maria dos Anjos.
Discurso proferido por José Brandão Ferreira, Oficial Piloto-Aviador (Ref.)

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